Renata Cruz
AMAZONA
Respire fundo, solte o ar devagar. Ouça sua respiração.
Imagine uma floresta, os sons, o cheiro, os detalhes. Os mínimos detalhes. Foque o olhar, com calma, e agora observe.
Observe.
Chegue mais perto. Sinta a imensidão e a sua pequenez.
Esse é o ponto de partida para adentrarmos a floresta. Entramos através das sensações e percepções de três mulheres que vivenciam uma Amazônia que não a contada nos jornais com onças e araras, queimadas e disputas, mas uma que tem urgência em ser transmitida antes que desapareça.
O deslocamento para dentro da floresta faz com que a imensidão mude de dimensão. O grande, fica pequeno e o pequeno, qual é o lugar do pequeno? Qual o seu lugar nessa imensidão? Pertencer não tem a ver só com o espaço mas também com o lugar das coisas.
A floresta é um grande dentro, a semente. Quanto mais se entra, mais ela te convida para explorar, maior fica. O silêncio. O extraordinário toma seu lugar no silêncio. É nele que é possível entender o lugar. Em cada detalhe, o fabuloso. Nele estão as sensações.
Tudo aquilo que se permite tocar atravessa e nada mais será como antes. A natureza acolhe ao passo que entorpece. Em cada folha, cor e curva que nos leva a novas paisagens, jogos de luz e sombra projetados por cogumelos revelam um micro mundo misterioso. Muitas pistas são deixadas nesse caminho: galhos, terra, raízes, cascas, carcaças, pedras. Os insetos, com seus trajes mutantes, transformam o lugar e, de forma sutil, também observam. As vezes é preciso buscar longe, tudo aquilo que está ali dentro da floresta.
Hadna faz da Amazônia seu quintal desde pequena. Em suas aquarelas, deixa fluir a floresta que nem rio conduzindo todas as memórias vivas das suas visitas. Livres, essas memórias tomam outras formas e superfícies peculiares. Aqui a tecnologia é mágica pois só ela é capaz de reproduzir o encanto da bioluminescência.
Laura foi atravessada pela paisagem que existia dentro dela conforme caminhava mata adentro. A cada passo, mais fragmentos para que ela se conecte cada vez mais com aquela terra. Fazer parte do todo - onde o tempo não mede as horas e sim permanência - conecta o agora com os ancestrais através da mesma terra, num eterno ciclo.
Renata ouve no silêncio. É assim que ela atende os pedidos que a floresta e seus habitantes lhe fazem. Um pássaro que pousa calmamente para que seja visto, se deixa observar, observando. Quantos mais ali passaram e ainda se veem? Os pequenos detalhes, a presença de muitas histórias que ainda não foram contadas: a palavra que não se traduz.
Essas mulheres que desbravam a si mesmas em seu tempo, armadas de sua sensibilidade, permitem que eu as acompanhe pelo desconhecido conectando espaços, tempos, e nos permitindo observar através de seus olhares e fazeres. Deslocamentos permitem observar outras vistas, permitem sair da zona de conforto, do lugar comum. Faltam palavras, sobram sensações.
É assim que saio do meu lugar de protagonista para ser observador. E assim me sinto, e sou, parte do todo, de tudo que nos conecta.
laerte ramos // agosto 2020